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Os cartórios de registro civil e imóveis, presentes em todos os municípios da Bahia, são estruturas fundamentais para garantir direitos e regularizar a vida de milhões de cidadãos. De certidões de nascimento e óbito a escrituras, registros de imóveis e autenticações, essas unidades são responsáveis por atividades que impactam diretamente a vida da população. No entanto, o funcionamento de mais de 60% dos cartórios baianos está ameaçado após a aprovação de um projeto de lei do governo estadual que altera as regras de repasses do Fundo Especial de Compensação (Fecom) — mecanismo que sustenta financeiramente os cartórios deficitários.
Segundo entidades que representam os cartórios no estado, o novo texto aprovado pela Assembleia Legislativa da Bahia (Alba) compromete a sustentabilidade financeira de 224 unidades extrajudiciais, a maioria localizada em pequenos municípios. Nestas localidades, a arrecadação mensal não cobre os custos básicos com pessoal, energia elétrica, papelada, digitalização e manutenção, o que obriga a dependência do Fecom para que os serviços não sejam interrompidos. Com a possível redução ou extinção dos repasses, muitos cartórios podem ser fechados ou, na melhor das hipóteses, ter seu funcionamento drasticamente reduzido, impactando a população mais vulnerável.
O Sindicato dos Registradores Civis da Bahia (Sindiregis) e outras entidades do setor vêm alertando para o que chamam de um “apagão cartorário”, caso o governo não revise as medidas. “Não se trata apenas de um problema administrativo. É uma ameaça direta à cidadania de milhões de baianos”, afirma um dirigente do sindicato. Ele lembra que serviços como emissão de certidões, registro de nascimento, casamento e óbito são gratuitos para a população de baixa renda, e justamente por isso exigem uma estrutura de compensação que equilibre os custos.
Enquanto isso, prefeitos de várias cidades afetadas também têm se manifestado preocupados com os efeitos do projeto. Para muitos gestores municipais, o fechamento dos cartórios representa um retrocesso, já que o cidadão terá que se deslocar por dezenas de quilômetros para conseguir acesso a documentos básicos, algo especialmente grave em regiões rurais ou de difícil acesso.
A proposta do governo, por outro lado, argumenta que é preciso fazer ajustes no modelo de compensação atual, considerado por técnicos da gestão como oneroso e ineficiente. No entanto, nenhuma alternativa concreta foi apresentada para evitar a desassistência nos municípios afetados. A falta de diálogo com representantes dos cartórios e com a sociedade civil também é uma das críticas recorrentes feitas ao processo de aprovação da lei.
Na prática, se mantido o projeto como está, a precarização dos serviços será inevitável, com fechamento de unidades e demissões de funcionários. Cidadãos terão mais dificuldade para validar contratos, registrar imóveis ou obter certidões, o que pode gerar impactos em outras esferas, como o acesso a crédito rural, heranças, casamento civil e regularização fundiária.
Em meio à discussão, cresce a mobilização de entidades de classe, juristas e parlamentares contrários à proposta. Eles defendem que a universalização do acesso aos serviços cartorários é uma obrigação do Estado, mesmo que parte da rede funcione com apoio financeiro.
A situação escancara a fragilidade de políticas públicas que, ao buscarem cortar gastos, podem comprometer direitos básicos. Sem cartório, o cidadão desaparece legalmente do sistema — e isso representa um risco que vai muito além da burocracia: é um problema de cidadania, de dignidade e de justiça social.
Por, Clóvis Kallycoffen