📅 10 dez 2025

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Governo lança programa para trocar dívidas de hospitais por atendimento no SUS; promessa de reduzir filas levanta questionamentos

foto/divulgação 

O Governo Federal anunciou nesta semana o programa “Agora Tem Especialistas”, uma medida que pretende enfrentar as filas do Sistema Único de Saúde (SUS) por meio de uma proposta inusitada: permitir que hospitais privados e filantrópicos quitem suas dívidas com a União prestando atendimentos gratuitos à população. Com previsão de início em agosto, o programa propõe uma espécie de compensação fiscal, oferecendo até 70% de desconto em juros e multas e carência de seis meses para as instituições devedoras.

De acordo com o governo, a estimativa é realizar mais de 4,6 milhões de consultas e 9,4 milhões de exames por ano, priorizando especialidades onde a demanda é mais represada, como ortopedia, cardiologia, ginecologia, oftalmologia, otorrinolaringologia e oncologia. A ideia é utilizar a estrutura ociosa da rede privada para ampliar a capacidade de atendimento do SUS, especialmente em regiões onde há escassez de profissionais ou unidades públicas especializadas.

No entanto, embora a proposta traga um discurso de eficiência e agilidade, questionamentos emergem sobre os reais impactos dessa medida no fortalecimento do sistema público de saúde. Será que, na prática, a iniciativa ampliará o acesso igualitário à saúde ou apenas servirá como um alívio fiscal para grandes redes hospitalares já beneficiadas por isenções e renúncias fiscais?

Especialistas em saúde pública alertam que a medida pode representar um precedente perigoso de privatização indireta do SUS, ao transferir recursos e responsabilidades do Estado para o setor privado. Embora a utilização de leitos e profissionais da rede complementar já seja prevista pela legislação, a conversão de dívidas em prestação de serviço levanta dúvidas sobre controle, transparência, qualidade e critérios de acesso.

Quem garante que os atendimentos serão realizados de forma equitativa? Como será feita a distribuição das vagas? Qual será o critério de regionalização? Haverá fiscalização rigorosa? Como evitar que os hospitais privilegiem serviços menos complexos para se livrar das dívidas rapidamente? São perguntas que, até o momento, permanecem sem respostas claras.

Do ponto de vista fiscal, o programa também gera debate. Estima-se que as dívidas acumuladas por hospitais privados e filantrópicos com a União superem a casa dos bilhões de reais. O desconto de até 70% nos encargos e a possibilidade de pagamento com serviços médicos suscitam dúvidas sobre a efetiva recuperação de ativos públicos, num contexto em que o próprio SUS sofre com subfinanciamento crônico.

Apesar das incertezas, o governo defende que o programa terá impacto direto na redução das filas de espera e permitirá que a população tenha acesso mais rápido a consultas e exames especializados, diminuindo o sofrimento de quem aguarda por diagnósticos e tratamentos há meses — ou até anos.

A promessa de ampliar o acesso à saúde é positiva. Mas, sem regras claras e mecanismos eficazes de fiscalização, existe o risco de que o programa acabe beneficiando mais os devedores do que os pacientes. A saúde pública brasileira exige soluções estruturantes, com investimento direto, fortalecimento da rede básica, valorização dos profissionais e modernização da gestão — e não apenas remendos fiscais travestidos de inovação.

Enquanto isso, milhões de brasileiros continuam enfrentando longas filas, falta de exames e ausência de especialistas, dependendo exclusivamente de um SUS que, apesar de sua robustez, segue pressionado, subfinanciado e desigual em sua cobertura. O “Agora Tem Especialistas” pode ser uma ferramenta auxiliar, mas dificilmente será a solução definitiva.

Por, Clóvis Kallycoffen

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